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Em meio à tragédia, correntes de voluntariado se formaram em prol da reconstrução do Rio Grande do Sul

Por Lucas Costa

Diante do desastre, a ajuda humanitária representou uma esperança para o Rio Grande do Sul. Foto: Agência Brasil

Uma das maiores virtudes do ser humano é a empatia, é enxergar a dor do outro e colocar-se no lugar. De certa forma, é entender o outro e a si mesmo não como indivíduos independentes, mas como seres que compartilham a humanidade. Assim, as pessoas se conectam e quando a dor é coletiva a rede que se forma é de solidariedade.

No começo de maio, o Brasil e o mundo passaram a acompanhar uma das maiores tragédias ambientais já vistas. Parte do Rio Grande do Sul foi inundada, o rio Guaíba subiu mais de 5 metros e deixou um rastro de destruição e morte que será sentida ainda por muitos anos.

Nem mesmo as imagens apocalípticas transmitidas pela mídia conseguiram capturar a verdadeira dor dos moradores que perderam tudo. No momento mais crítico da vida de muitos foi possível ver a humanidade das pessoas.

A partir da dor de todo um estado, a comoção foi geral, foram feitas doações de instituições privadas, de pessoas públicas e de indivíduos que fizeram o que podiam para ajudar aqueles que mais sofreram. Renunciar a si mesmo para o bem do coletivo é uma das atitudes mais nobres e se unir em uma situação tão dolorosa é exemplar.

A água levou tudo de muitos. Milhares de pessoas ficaram sem abrigo e sem comida. Naquele momento, surgiram redes de solidariedade do povo gaúcho, que mesmo cheio de dores individuais, se propuseram a ajudar o próximo. Para aqueles que perderam o teto, foi oferecido abrigo, comida e água.

Enquanto milhares de pessoas foram atingidas direta ou indiretamente, outras tantas acompanharam de perto a tragédia acontecer e viram surgir um sentimento de solidariedade. Foram criados abrigos, cozinhas e centros de atendimento. A união fez a força mais uma vez e cada um apoiou como pôde.

Redes de cozinhas solidárias, alimentando quem precisa

Quando o Rio Grande do Sul vivia a maior tragédia de sua história, a ajuda humanitária surgiu de diversos lados. No entanto, foram as iniciativas individuais, organizadas em redes que surgiram de forma orgânica, que revelaram a verdadeira força da população.

Entre as muitas redes de solidariedade que surgiram está a história de Joseane Guimarães que é proprietária do restaurante Du Nordeste e viu seu empreendimento debaixo d’água, a perda foi total. Mesmo diante de tanta dor, se uniu a uma rede de ajuda e se integrou a um grupo de apoio.

Nos primeiros dias seu grupo trabalhou distribuindo as doações que recebiam, eram roupas, água e alimentos. Depois de alguns dias, ela e sua família começaram a fazer e distribuir marmitas, mas a elaboração de tantos alimentos exigia mais braços e, assim, outras pessoas de seu condomínio passaram a ajudá-la.

O grupo se organizou de forma que a cozinha do condomínio fosse o ponto central para a operação. Eram montadas centenas de lanches e marmitas diariamente, que eram distribuídas para os pontos de atenção na zona norte de Porto Alegre.

Contudo, a área comum do condomínio contava apenas com um fogão de 4 bocas e para que fossem feitas as marmitas era preciso que o alimento também fosse preparado dentro das casas. O feijão, por exemplo, que demanda tempo e espaço para ficar pronto era feito nas casas de cada voluntário.

O marido de Joseane era responsável pela distribuição das marmitas, tinha contato com os abrigos e os principais pontos de ajuda. Sua filha mais nova ajudava na montagem dos lanches e marmitas.

Para que não houvesse prejuízo, ela anotava a data e o horário em que os alimentos foram produzidos. Além disso, deixava um recado de compaixão para que a comida também alimentasse as almas.

A paixão em prol do coletivo

Nos primeiros dias de cheia, a maior preocupação era resgatar as pessoas das áreas alagadas, mas ao longo do tempo outras demandas começaram a aparecer. As pessoas precisavam de comida, roupa, água e cuidados básicos. Shana Poletto, proprietária dos restaurantes Usina do Pastel, foi uma das voluntárias durante os períodos de maior dificuldade.

Nos primeiros dias, Shana ajudou nos resgates. Desgastada psicologicamente por ver tamanha tragédia, procurou outras formas de contribuir com seu povo. Procurou paróquia de Nossa Senhora do Trabalho, e assim, passou a integrar uma equipe que recebia doações, separava e distribuía para diversos pontos em Porto Alegre.

Em certo momento, foi preciso de voluntários para trabalhar nas cozinhas, e foi assim que Shana, uma apaixonada pela cozinha, encontrou um novo lugar.

O ritmo de produção das marmitas era alto. No auge da tragédia, eram produzidas mais de 600 marmitas por dia. O trabalho dos voluntários era exaustivo fisicamente, mas, segundo Shana, o mais difícil era a parte psicológica.

À medida que o cenário começou a mudar, foi possível contabilizar os prejuízos e reabrir um dos restaurantes. Apesar de não haver perdas materiais em seu restaurante, dois funcionários tiveram suas casas completamente alagadas.

Para amenizar o sofrimento deles, foram doadas roupas e cestas básicas. Além disso um dos pratos do cardápio tem todo o lucro destinado para a reconstrução desses lares.

Ajuda ao próximo através da organização

Diversas redes de solidariedade se formaram de forma independente, e em cada uma havia pessoas responsáveis pela organização e pela logística.

Afinal, chegaram ao Rio Grande do Sul doações de diferentes partes do mundo. Foi nessa função que Leonardo Dorneles, proprietário da rede de restaurantes Companhia do Temaki, decidiu atuar. Ele não teve seus negócios atingidos, mas viu a água chegar a 50 metros de seu restaurante.

Contudo, um terço de seus funcionários ficaram ilhados. 14 pessoas que conviviam diariamente com Leonardo que não conseguiam sair de suas casas ou foram para algum abrigo. A tragédia que acontecia com pessoas próximas fez com que acendesse nele o sentimento de compaixão.

A partir de vários contatos, ele se pôs a organizar uma central de doações em que eram distribuídas roupas e cestas básicas.

Após as águas baixarem foi possível compreender a dimensão dos prejuízos. Duas de suas funcionárias perderam tudo, e foi assim que pensando na reestruturação dessas famílias que ele decidiu doar uma cozinha completa para cada uma delas.

A ajuda necessária em cada momento

A tragédia no Rio Grande do Sul pôs o povo gaúcho em estado de emergência e com o decorrer do tempo as ações necessárias para mitigar a tragédia mudaram. Nos primeiros dias era preciso resgatar as pessoas, no segundo momento era necessário abrigá-las e alimentá-las. Com o decorrer das semanas, a água baixou e as redes de solidariedade passaram a dar conta de limpar e reestruturar as cidades.

Em um desses processos de mudança de objetivos do voluntariado esteve Áureo Martinez, o empresário dono do restaurante Galeto do Mercado. Ele ajudou desde os resgates até a formação do projeto Chupa essa Manga, focado em limpar as casas das pessoas.

Em pouco tempo a paisagem não era a mesma. Nas ruas, andavam barcos e os telhados eram abrigos para pessoas e animais. No restaurante de Áureo a água chegou a 1,8m e destruiu completamente o estabelecimento.

Contudo, nesse momento da tragédia, as pessoas precisavam de abrigo e água. O empresário também tinha um galpão na parte alta da cidade que logo nos primeiros dias abrigou dezenas de pessoas. O movimento no galpão foi intenso pois funcionava de abrigo, de centro de recebimento e distribuição de doações.

A boa vontade e a capacidade de relacionamentos fizeram de Áureo uma figura fundamental na recuperação da capital gaúcha. Ao seu lado mais de 100 pessoas se juntaram desde os primeiros dias para ajudar. Andar de barco na Avenida Farrapos era algo inimaginável para a população, mas com a cheia essa era uma das principais vias dos voluntários.

Com o fim das cheias as pessoas passaram a retornar para as suas casas, porém os entulhos, a lama e o mofo não permite que as casas sejam habitadas. Uma vez que já era um fiel depositário, pessoa de bons relacionamentos e confiança para a qual eram feitas as doações, Áureo decidiu organizar um projeto para limpar as casas.

Foram doadas e compradas máquinas de lavar que toda a equipe tem usado voluntariamente para limpar as casas atingidas. Ao final as máquinas serão vendidas e o valor será destinado à reestruturação das famílias atingidas.

*Texto adaptado da edição 158 da revista Bares&Restaurantes

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