Poucos perderam tanto e podem ganhar tanto com a crise do novo coronavírus como os bares e restaurantes, descobertos e reconhecidos como templos do relacionamento social. Pequenas empresas sempre foram desprezadas no passado, especialmente bares e restaurantes. Certa vez, tentando desclassificar um empreendedor do nosso setor, o então presidente José Sarney o chamou de “empresário de botequim”. A mídia não notou a incongruência e o desrespeito para com o dono de um pequeno negócio.
Nas últimas décadas ocorreu uma valorização da pequena empresa como geradora de bens e serviços, empregos, tributos, PIB. Surgiu o Sebrae e também entidades fortes de representação dos pequenos empresários. Estas passaram a falar cada vez mais forte, sendo a Abrasel um exemplo muito apropriado do fenômeno.
A crise atinge violentamente o setor
A crise do novo coronavírus atingiu o negócio de bar e restaurante como nunca acontecera antes. Obrigou-os a fechar as portas, o que para muitos não acontecia
nem no Natal. Como sobreviver sem faturar, sem reservas, financiamentos e vendo o passivo aumentar dia a dia? Pesquisas diversas diziam que as pequenas
empresas apenas tinham fôlego para pagar contas de 12 a 19 dias, sem faturar. Estava decretada a quebra de milhões delas.
A Abrasel deu exemplo de combatividade procurando pelo presidente da República e seu ministro da Economia - as canetas mais importantes da nação - logo no início de março. Expôs informações, previsões, necessidade de providências, sensibilizando-os. Outras entidades a seguiram no que foi um movimento exemplar dado pela sociedade civil, que se anteciparam a autoridades e entes púbicos.
A ajuda veio, para muitos um tanto tardiamente e de forma insuficiente, mas significativa. O vírus já se espalhava de forma nefasta e governadores decretaram quarentena, isolamento social (boa parte aceitou, mas todos os brasileiros foram afetados), os negócios fecharam suas portas.
A vida em isolamento social e os templos de relacionamento humano
A vida em isolamento social mudou parâmetros de comportamento. em poucos dias gerou insatisfação, crises existenciais, brigas de família, infelicidade. Milhões de brasileiros deixaram de se socializar, mesmo quem se atrevia a ir a rua não tinha onde ir, não sabia onde encontrar as pessoas que procurava, amigos,
paqueras, amantes, descobriram que bares e restaurantes eram também referências. Relacionamentos foram postos em geladeiras, descobriu- se o valor da sociabilidade, do congraçamento, do entretenimento, do olho no olho, do sorriso de da fala ao vivo e de seus templos, os bares e restaurantes.
Todos se deram conta como era importante ter milhares de espaços abertos e acessíveis, onde se podia marcar um encontro sem ter que fazer ficha e apresentar RG, beber ou comer algo, conversar sobre a vida, ocorrências, negócios, problemas familiares, ou simplesmente jogar conversa fora. O celular e a internet não dispensavam bares e restaurante, pelo contrário, estes eram os verdadeiros centros da vida social imprescindível para a saúde mental, para a existência racional ou na fantasia, para os prazeres da mesa; a tecnologia era um complemento sem vida, o falar mais com a máquina que com o outro ser vivo.
Nunca antes na economia
A constatação da importância dos negócios do setor não se deu apenas na vida social. A atuação dos bares e restaurantes passou a ser referência, centro das atenções quando se falava de crise empresarial, empregos, PIB, além, é claro, da alimentação fora do lar. E sempre havia um diretor da Abrasel em cada estado para informar a população, que por sua vez, criava movimentos de solidariedade com os estabelecimentos, outra grata surpresa.
Os jornais de TV, impressos, portais, todos informavam, no mínimo dia sim dia não, a situação do setor, quantos fecharam, quantos empregos perdiam, como o delivery se desenvolvia, enfim, o setor foi descoberto também do ponto de vista da economia. E que para cada três trabalhadores que perdiam seu ganha pão, um empresário também era atingido. Afinal, o setor é composto de um milhão de empresas, dois milhões de empresários, seis milhões de trabalhadores, conforme divulgado pela primeira vez
pela Revista Bares & Restaurantes e hoje admitido como informação pétrea em cada canto do território nacional, da TV Globo ao jornal do bairro.
As pesquisas mais conservadoras, em tempos de normalidade, concluem que 30% dos estabelecimentos fecham antes de completar dois anos. Há pois um movimento natural de fechamento de portas, que a crise acelerou. Em tempos de normalidade, os que vão fechando são substituídos por outros que tentam ganhar espaço no mercado. Mas com a crise, há apenas encerramentos, poucos se atrevem a abrir as portas, investir para ao futuro incerto. A concorrência ficará menor, mas o mercado também irá encolher, os ajustes e o reequilíbrio demorarão de um a dois anos.
Preparar-se para a largada
A crise fará o setor sangrar muito, pelo menos até o final do ano. Pesquisa entre mais de cem empresários na Abrasel em São Paulo - gente que respira e vive o mercado - concluiu que mais de 35% dos empreendimentos fecharão as portas, um desastre social jamais visto. Tensão, insegurança, medo, outras consequências da crise, pairam no
ar, inevitáveis, todos procuram enxugar custos e faturar alguma coisa onde é possível, a palavra de ordem é sobreviver. Os que sobreviverem e mantiverem equipes deverão
largar na frente. Claro que as pessoas voltarão temerosas, mas voltarão, com medo desse minúsculo, mas poderoso vírus, que pode ainda estar no mercado e nas mentes.
Mas sairão para recuperar os dias perdidos, retomar os rumos, ansiosos para rever os amigos e desconhecidos, para gozar intensamente a vida social, os relacionamentos, a humanidade. A vida deve ser agitada, intensa, agradável, feliz. Os bares e restaurantes devem se preparar para a retomada de seu papel, muito mais prestigiados, importantes na vida econômica e social, queridos, frequentados. E devem fazer por merecê-lo.
*Percival Maricato é advogado e presidente da Abrasel em São Paulo