Diretor de estabelecimentos da Sodexo Benefícios e Incentivos vê o futuro dos restaurantes cada vez mais conectado à operação do delivery online
O diretor de estabelecimentos da Sodexo Benefícios e Incentivos, Antônio Alberto Aguiar (Tombé), vê o futuro dos restaurantes cada vez mais conectado à operação do delivery online. Como ele diz, trata-se de uma escalada que se iniciou nos grandes centros urbanos do Hemisfério Norte e vem se pulverizando nas maiores cidades do resto do mundo. A seguir, a disseminação global do delivery se estenderá aos menores núcleos populacionais das regiões interioranas dos diversos países, inclusive do Brasil.
No seu ponto de vista, o delivery não é uma questão de escolha, mas de sustentabilidade e expansão dos negócios, em conformidade com as mudanças comportamentais já em curso neste século XXI. Mas, ele lança uma advertência. Se o restaurante não se estruturar para fazer parte da plataforma online, a adesão ao delivery pode até arruinar a marca do estabelecimento.
É preciso sintonizar os fluxos internos do restaurante com o sistema da jornada externa do delivery. Para tanto, a primeira providência é, por meio de uma consultoria (que pode ser provida pelo próprio marketplace), realizar a estruturação interna, com vistas à interação entre os processos, as operações do estabelecimento e as operações da plataforma online de entregas.
Em entrevista telefônica sobre a questão específica do encaixe entre as estruturas operacionais do restaurante e do marketplace, o executivo explica que a almejada justaposição não pode ser vista de forma simplória, como se, de um lado, houvesse o estabelecimento e, do outro, a tecnologia. Sem uma afinada conexão entre os respectivos processos do restaurante e do marketplace podem surgir situações em que emergencialmente se requeira a intervenção humana para corrigir eventuais falhas, ação esta que “tem grande chance de erro”.
Da entrevista, extraíram-se e condensaram-se estas falas do diretor da Sodexo:
Se não houver o casamento perfeito, haverá conflito.
“O dono do restaurante, que se predispõe a fazer delivery online, precisa saber que este é um novo tipo de negócio que ele abrirá. Não é simplesmente um complemento ao seu negócio atualmente existente, em que se começa a atender um público novo. A meu ver, o grande risco que há aí é o de se passar a expectativa de receber um público novo, uma nova demanda, e essa nova demanda vir a se tornar conflitante com a demanda atual”.
A qualidade do salão e do delivery tem de estar no mesmo alto nível
“Para atender ao delivery, na correta plataforma online de hoje, precisa-se preparar adequadamente o restaurante para essa nova indústria em que ele está entrando. Caso contrário, haverá uma grande chance de, ao mesmo tempo, se estragar o salão e o próprio atendimento do delivery. É importante saber que uma parcela do público do delivery será a mesma parcela do público existente no salão de hoje. O cliente que vai ao salão do restaurante que lhe é habitual, já reconhece sua qualidade. Se o delivery não entregar ao cliente mesma qualidade oferecida no salão, corre-se o sério risco de se queimar a marca do restaurante”.
O pior cenário é o atraso no salão e atraso no delivery
“Mesmo que a plataforma do delivery seja muito bem feita, mas sem que o restaurante esteja estruturado para aquela demanda, tem-se a dupla chance de se penalizar a plataforma e o restaurante. Isso porque, quando se verificam atrasos no delivery, ocorrem atrasos no salão, mostrando que as pessoas não estão preparadas, e isso acabará criando uma imagem negativa do estabelecimento”.
O cliente tem de fazer uma refeição em casa como se estivesse no restaurante
“É preciso se estruturar para estar na plataforma. Estruturar a retaguarda, as pessoas, o time, estoque, modelo de entrega e modelo de atendimento a fim de se suprir essa nova necessidade. Não se trata, simplesmente, de um pedido a mais que entra na esteira da cozinha. Isso passa por um processo de armazenamento, de embalagem, de entrega. A comida tem de chegar ao cliente em condição ideal, com uma apresentação bacana, para que ele faça sua refeição como se estivesse no salão do seu restaurante”.
O gosto brasileiro pelo salão do restaurante e pela consagrada pizzaria do bairro
O especialista antevê que, mesmo com o exponencial salto relativo do delivery online, mais da metade das vendas do food service continuará se efetivando presencialmente, dentro dos restaurantes e das lanchonetes. Ele diz que dois terços do consumo brasileiro de lanches e refeições ocorrem nos salões desses estabelecimentos, situação que tende a não se alterar significativamente em um horizonte visível. “Se houver alguma diminuição, será pequena. Aqui no Brasil, mais do que em muitos outros países, as pessoas gostam de estar o salão do restaurante”.
Outras cenas excepcionalmente particulares permanecerão existindo em meio à dominante paisagem da sociedade digital, como a presença “daquela pizzaria de bairro, que há anos se destaca em uma determinada vizinhança ou região, pelos especiais atributos de suas pizzas e do seu atendimento, que assim permanecerá conectada à fiel clientela local, tanto pessoalmente quanto no seu aplicativo próprio; e eis, aí, um caso em que o aplicativo próprio, por telefone, sempre funciona bem”.
1) O delivery chegará a entre 10% e 12% do total do setor de food service
Em dois anos e meio, até 2021, o segmento do delivery sairá dos atuais 6% ou 8% (de acordo com as avaliações conservadoras ou otimistas), em relação ao mercado total do food service (alimentação fora do lar), para 10% a 12%. Até 2021, o segmento do delivery estará dividido meio a meio, entre o tradicional (por telefone) e o online. Em cinco anos (2024), o delivery online provocará o desaparecimento do delivery tradicional, que sobreviverá apenas residualmente. No ano passado (2018), o delivery online cresceu 80%. O delivery tradicional caiu 8%. A projeção para os próximos dois ou três anos é que o mercado de food service crescerá, em termos reais (descontada a inflação) de 3% a 4%. O delivery crescerá de 5% a 7%.
2) O ponto crucial da adesão a uma plataforma de marketplace
Se o delivery traz tráfego novo, ele é bom. Isto é: desde que seja predominantemente adicional ao que você já vende, sem canabilizar seu movimento. A plataforma do delivery não pode roubar a clientela que você já tem. Que ela traga clientes adicionais. Ao transferir suas vendas à plataforma, reduz-se a rentabilidade. A razão de ser dos marketplaces é gerar clientes novos para o restaurante. Se a clientela migra para a plataforma de delivery, metade da rentabilidade vai embora.
3) Abandonar logo o delivery tradicional?
Se o delivery tradicional representa parcela expressiva de seu faturamento, o limite para a migração ao delivery online é de cinco anos (2024). Nos casos em que os estabelecimentos têm um público de amplo espectro etário, indo, por exemplo, dos 15 aos 70 anos de idade, faça uma suave migração. Mas, se o seu restaurante está muito segmentado no público jovem, que é naturalmente tecnológico, comece a se preparar para desligar o telefone do delivery tradicional.
4) Optar por um aplicativo próprio ou ingressar em um marketplace?
Há muito romantismo na ideia de um aplicativo próprio, que só é compatível com grandes redes e com estabelecimentos que se caracterizem por uma boa recorrência de consumo, isto é, que tenham clientes que neles compareçam com frequência. Se você não tem fôlego financeiro para investir pesadamente em marketing e promoções, ativando seu aplicativo ao extremo, como conseguirá fazer frente à concorrência do restaurante do outro lado da rua, que está no iFood, no Uber Eats ou no Rappi? Esses agregadores podem ter até mesmo dezenas de restaurantes da sua região. Os smartphones já estão sobrecarregados de aplicativos de redes sociais, bancos, jogos, mapas, guias, livros etc, que consomem tela, memória e processamento. O seu aplicativo ficará perdido em meio a tudo isso. E não há como você competir com os titãs do delivery online.
5) E o pesadelo das taxas dos titãs do maketplace?
Pagar às companhias do marketplace de delivery online uma taxa de 22% a 25% do que se vendeu pode ser um soco no estômago? Depende. O negócio do food service é tráfego. Se o marketplace gera um tráfego novo, adicional, incremental, acrescentando uma clientela que antes você não tinha, é bom. Se você vendeu um prato por R$ 100, vai pagar R$ 32 do custo da mercadoria e mais uns R$ 10 de imposto. Sobrará R$ 58. E daí destina mais R$ 25 para a taxa do marketplace e da entrega. Sobram R$ 33. Se isso se refere aos 10% a mais de clientes que vieram pela nova plataforma, ok. É uma rentabilidade advinda de uma clientela que antes você não tinha. Aí não é danoso. É muito bom. O problema é quando se transfere ao marketplace uma venda que antes você já fazia. A rentabilidade evapora.
6) O custo do marketplace e a melhoria nos serviços do restaurante
O aplicativo das grandes empresas de transações e entregas nunca cai. Elas também têm um caminhão de dinheiro para a divulgação. Estão o tempo todo aprimorando a cobertura. O motoboy é selecionado, muito mais treinado e apresentável do que o que se encontra avulso na rua - não sai cortando todo mundo no trânsito. A maquininha do cartão e o baú estão sempre em ordem. Os gestores do estabelecimento se despreocupam em relação à contratação de telefonista ou aos eventuais problemas de acidentes com motoqueiros. Ou seja: passa-se a ter um serviço melhor do que o oferecido anteriormente, quando se operava com o delivery tradicional.
7) O inevitável declínio da taxa do marketplace ao longo do tempo
A partir de 2020, inicia-se o gradual declínio da taxa, que se acentuará nos próximos dois anos. Haverá uma concorrência mais diversificada entre os marketplaces, aumentando a escala. Os preços são hoje ditados pelas empresas líderes. Todo mercado de inovação científica e tecnológica serve de analogia para a tecnologia do delivery. O setor farmacêutico, por exemplo, está sempre empenhado em pesquisas de novos produtos, porque é com eles que se ganha muito mais dinheiro nos dez anos de patente. Depois, quando caem as patentes, entram os genéricos e, então, os preços desabam. Qualquer laboratório do setor duplica um medicamento. De uma forma assemelhada, veremos que em menos de dois anos aparecerão mais competidores no delivery online, e isso – ao lado dos ganhos de escala já capturados – levará a alguma redução das taxas.
8) No horizonte, as inovações das empresas líderes
Os atuais líderes das plataformas de delivery online já sabem que no espaço de três anos aumentará a competição e a escala do mercado, reduzindo-se as taxas. Assim como a indústria farmacêutica sempre inova, buscando fugir da competição dos genéricos, os líderes dos marketplaces já estão desenvolvendo no laboratório deles serviços necessários aos restaurantes, para abocanhar outra parcela de seus faturamentos. Por exemplo, tornando-se antecipadores das receitas dos restaurantes. O argumento será este: se você vende por meu intermédio, eu lhe antecipo esse dinheiro da venda, para que você faça suas compras de mercadorias. Essas empresas – depois de se defrontarem com a diminuição de suas taxas relativas à transação e à entrega das refeições em domicílio – abocanharão taxas advindas de diversos outros serviços quem passarem a prestar, especialmente os financeiros. Isso realmente é de se esperar que aconteça.
9) No mundo online, a otimização dos ativos e redução de custos
Junto com a evolução do delivery emerge uma era de otimização dos ativos que se tem. É preciso diluir custos. Isso porque estamos tratando de um negócio de um restaurante que, por si só, tem hoje uma rentabilidade menor. Venho de uma época em que era normal o dono do restaurante falar que seu lucro líquido era de 20%. Agora, fica-se muito feliz quando se chega a 15%. A pessoa pode até descartar em seu negócio a possibilidade do delivery. Só não pode não pensar no delivery. Do mesmo modo, é imperativo que se pense em outras possibilidades, como a de se ampliar turnos e até dias de funcionamento, a de se criar variações do negócio, como atendimentos a festas e eventos. Junto com o delivery abrem-se as portas das ações incrementais. O delivery pode estar ligado ao food service de um restaurante que não existe. É o caso da ‘dark kitchen’, que são cozinhas fechadas, não abertas ao público. Só existem para produzir e vender por meio do delivery e das encomendas. Cem por cento delivery. Não têm os custos do salão, de garçons, iluminação, ar condicionado et cetera et cetera.
10) O grande crescimento sobre a refeição preparada em casa
O ponto principal para o empresário é ele perceber o seguinte: o delivery é crescente, estará cada vez mais acessível, porque é bom, útil e fácil. Trata-se do mesmo raciocínio do Uber. Em qualquer lugar, apertam-se dois ou três botões, e o que foi solicitado logo está à sua porta. Essa formidável facilidade de acesso transforma inteiramente a relação de consumo. A grande mudança ocorre na alimentação dentro do lar. As taxas do delivery vão cair, tornando o serviço ainda mais acessível a largas parcelas da população. A dona de casa decidirá: vou pedir o filé à parmegiana para o almoço, porque custa R$ 27. É um preço bem razoável, eu não perco tempo, e o que faço aqui em casa não fica tão bom. O crescimento do delivery atingirá o restaurante tradicional? Afetará pouco o consumo no estabelecimento, até porque no Brasil o consumidor gosta de estar no salão do restaurante. Somos diferentes da maior parte dos países. Perto de dois terços do consumo de lanches e refeições aqui se dá dentro do estabelecimento. Vai mudar? Um pouco, ao longo de muito tempo. E, ainda assim, no salão continuará ocorrendo a maior parte do consumo, em nosso país. Volto a dizer: o dono do restaurante pode até não optar pelo delivery. Só não pode não pensar nele.